Farmácia Popular Ameaçada


Valor Setorial - Saúde

Autor: O Aqui Tem Farmácia Popular, do Ministério da Saúde, está sendo desidratado. Essa é a visão que fabricantes de medicamentos, entidades representativas do setor e associações de farmácias têm do programa, que atende em média 22 milhões de pessoas por mês e está sendo reformulado pelo governo federal. A escalada desse processo começou em 2017 e culminou no dia 18 de maio deste ano com o descredenciamento de 1.729 farmácias privadas de um total de 34.543 cadastradas.

O descredenciamento aconteceu dois meses depois de o Ministério da Saúde reduzir o preço pag
o às farmácias de 22 medicamentos que fazem parte do programa. Com isso, o governo federal diminuiu o orçamento em RS 800 milhões, ficando o Aqui Tem Farmácia Popular com R$ 2 bilhões. Em 2017, o governo já havia encerrado a rede de farmácias próprias, formada por 411 unidades.

“As pesquisas mostram que esse é o programa mais bem avaliado e rido como o mais eficaz pela populaçáo na atual gestão. No entanto, o governo vê de forma diferente, dizendo que com a facilidade de a população pegar medicamento nas farmácias provoca desperdícios e fraudes. O Ministério alega que houve explosão no aumento do número de usuários a partir de 2011, quando a distribuição de produtos para diabetes e hipertensão passou a ser gratuita. Os pacientes que pegavam esses medicamentos no SUS [Sistema Único de Saúde] passaram a usar o Programa Farmácia Popular, e o governo alega que essa gratuidade desequilibrou o sistema", diz Pedro Bernardo, presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), que representa 51 laboratórios farmacêuticos.

Segundo ele, o programa trouxe para o Ministério da Saúde uma maneira mais moderna de adquirir medicamentos num sistema que é comum em vários países da Europa. Por esse modelo, o governo passa a ser um gerenciador do projeto, não substituindo a iniciativa privada nem na produção nem na distribuição, porque os investimentos estão no setor privado. Para Bernardo, num país como o Brasil, onde existem 80 mil farmácias, mil distribuidoras e 250 indústrias de medicamentos, não é papel do governo desempenhar essas funções.

“O governo tem que cuidar da saúde da população e fazer com que os medicamentos cheguem ao paciente. No modelo anterior ao da Farmácia Popular, o governo fazia a licitação, comprava os produtos e distribuía para os mais de cinco mil municípios do país”, diz Bernardo. “Havia atrasos nas entregas de medicamentos, perdas nos estoques e no armazenamento. Tudo isso mudou com o credenciamento das farmácias privadas, porque todo o processo de produção, armazenamento e distribuição fica com o setor privado.”

O programa inclui distribuição de produtos pelo sistema de coparticipação, destaca Bernardo, com os pacientes pagando parte do medicamento. Os produtos vão continuar sendo distribuídos pelo Aqui Tem Farmácia Popular, mas o programa está ameaçado de acabar no segmento de produtos de distribuição gratuita que se destinam ao tratamento de asma, diabetes e hipertensão, os mais procurados pela população e que tiveram maior redução nos repasses do governo. Segundo dados do Ministério, por mês são dispensados 7,2 milhões de medicamentos para tratamento de hipertensão e 3 milhões para diabetes.

Nelson Mussolini, presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), afirma que os valores de referência pagos por esses produtos foram reduzidos três vezes. Em 2011, a redução foi de 10%; em 2015, em 40%; e, em 30 de abril deste ano, em 35%. “As reduções fizeram com que alguns medicamentos ficassem inviáveis no programa, principalmente a insulina e oLosartana (para pressão alta). A farmácia, por exemplo, compra a insulina por R$ 32. Se antes recebia do governo RS 26, após a última redução vai receber RS 20. Isso vai fazer com que muitas farmácias desistam de participar do programa.”

Para Mussolini, o programa é importante não só para a população que depende do governo para obter os medicamentos, mas para as farmácias, que aumentam seu público, e para as indústrias, por divulgar as marcas. “Mesmo com margens menores, é ainda um programa que coloca no mercado RS 2 bilhões por ano. Não entendemos como isso foi feito sem debate. Quando o ministro Ricardo Barros (PP-PR) disse em janeiro que faria mudanças, pedimos que não fossem feitas de forma apressada e foi acertado um grupo de trabalho, que nunca foi criado."

Sobre o descredenciamento de 1.729 farmácias sob a alegação de que seriam responsáveis por RS 500 milhões de fraudes, Mussolini diz que falta gerenciamento do governo. “Sempre defendemos o copaga- mento, que é usado em vários países. Por esse sistema, o usuário faz um pagamento simbólico. Quando o usuário paga, mesmo que simbolicamente, o desperdício é menor e a ocorrência de fraudes diminui."

Segundo Sérgio Mena Barreto, presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), o descredenciamento representa um corte de 5% nos estabelecimentos que participam do programa. Para ele, apesar de o governo alegar que as farmácias descredenciadas estavam envolvidas em fraude, muitas podem ter optado por sair do programa porque estavam descontentes com os baixos valores pagos.

O Ministério da Saúde informa, por meio da assessoria de imprensa, que tem realizado mudanças para aperfeiçoar o programa. Por isso, promoveu, neste ano, a readequação de preços para eliminar as distorções de valores de produtos pagos pelo governo federal, que, em alguns casos, chegavam a custar mais de 200% acima do mercado. Segundo o Ministério, a medida foi resultado de um estudo com base no Sistema de Acompanhamento de Mercado de Medicamentos (Sammed), que apontava que os valores pagos pela pasta em 20 medicamentos estavam defasados ou acima do praticado pelo mercado. Foi feita uma readequação, garantindo margem de 40% às unidades credenciadas, além do valor de imposto. “Dessa forma, nove produtos tiveram aumento, sete tiveram redução e quatro devem variar de acordo com os impostos de cada Estado. Esse reajuste deve gerar economia de R$ 800 milhões para o Ministério da Saúde.”

Fonte: Abradilan



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